Total 90s — XXIV

Neste mês: uma história de brinquedos para miúdos e graúdos que mudou a sétima arte; um novo estilo musical que tomou de assalto as tabelas e pistas de dança e um conjunto de jogos entretidos de uma consola pouco portátil e sorvedora de pilhas.

Filme: ‘Toy Story — Os Rivais’ — Toy Story (1995)

O aniversário do pequeno Andy está a chegar e os seus brinquedos ficam nervosos, temendo que ele receba novos que possam substituí-los. Liderados pelo cowboy de corda Woody, o predilecto de Andy, os brinquedos assistem à chegada de Buzz Lightyear, um reluzente ranger espacial que imediatamente passa a receber mais atenção da criança. Com ciúmes, o xerife Woody desencadeia uma altercação entre brinquedos que acaba por correr mal. Acidentalmente levados para longe de casa, os dois rivais caem nas garras de um vizinho mau e fanfarrão e têm de trabalhar em equipa se querem escapar. Com amigos brinquedos entre os quais “Rex o Dinossauro”, o exército dos “Homens Verdes” e o “Sr. Cabeça de Batata” dispostos a ajudar, Woody e Buzz selam a sua amizade numa fenomenal aventura para poderem regressar a casa.

Fundada em 1986 como empresa independente após deixar de integrar a Lucasfilm, a Pixar Animation Studios começou por dedicar-se à produção de curtas-metragens de animação. ‘Tin Toy’ (1988), escrita e realizada por John Lasseter, apresentava uma história contada da perspectiva de um brinquedo que procurava fugir de uma criança agressiva. A curta-metragem de cinco minutos tornou-se no primeiro filme integralmente composto de imagens geradas por computador (ou CGI, do inglês computer-generated imagery) a ganhar um Óscar e despertou a atenção da Walt Disney Feature Animation. Em 1991, Steve Jobs, então presidente da Pixar, assinou um histórico acordo no valor de 26 milhões de dólares com a gigante Disney para produzir três longas-metragens de animação, a primeira das quais seria precisamente ‘Toy Story’.

Lasseter, Andrew Stanton e Pete Docter escreveram os primeiros esboços da história, que foram descartados pela Disney, a qual queria que o tom do filme fosse “mais ousado”. Depois de várias ideias desastrosas, a produção foi interrompida e o argumento foi reescrito pelo mesmo Stanton juntamente com Josh Whedon, Joel Cohen e Alec Sokolow, refletindo melhor o tom e o tema desejados pela Pixar, que alegava que “os brinquedos querem profundamente que as crianças brinquem com eles e esse desejo motiva esperanças, medos e acções”. O estúdio, até aquele momento composto por uma quantidade relativamente pequena de funcionários, produziu o filme com um orçamento relativamente modesto. Lançado nos cinemas a 22 de Novembro de 1995, ‘Toy Story’ foi o filme de maior bilheteira no seu fim-de-semana de estreia. Posteriormente, tornou-se um sucesso comercial nacional e internacional, arrecadando mais de 373 milhões de dólares no circuito mundial. Foi avaliado positivamente pela crítica e pelo público, que elogiaram a inovação técnica da animação, a sagacidade e sofisticação temática do argumento e os desempenhos de Tom Hanks e Tim Allen, que dão voz na versão original a Woody e Buzz, respectivamente.

Atualmente é reconhecido por analistas e estudiosos de cinema como um clássico e um dos filmes mais influentes do século XX, notabilizando-se por ter entrado na lista de diversas publicações de “os melhores” e “mais importantes” filmes de animação. Em 2007, entrou para a história ao ter sido uma de apenas duas animações a ter entrado na lista dos 400 melhores filmes americanos já realizados, segundo o Instituto Americano do Cinema. ‘Toy Story’ recebeu três nomeações aos Óscares de 1996 para Melhor Argumento Original, Melhor Banda Sonora Original e Melhor Canção Original, além de ter arrebatado ainda um Óscar de Contribuição Especial. Em 2005, foi introduzido no National Film Registry como sendo “cultural, histórica ou esteticamente significativo” no seu primeiro ano de elegibilidade. Para além dos lançamentos em VHS, DVD e Blu-ray, o material inspirado no filme inclui brinquedos, videojogos, atracções de parques temáticos e três sequelas — ‘Toy Story 2 — Em Busca de Woody’ (1999), ‘Toy Story 3’ (2010) e ‘Toy Story 4’ (2019) — , as quais também conquistaram grande sucesso comercial e aclamação da crítica.

Fui ver a versão original de ‘Toy Story — Os Rivais’ ao cinema com amigos quando tinha 15 anos, numa idade em que já não ligava muito a animação. O grande chamariz terá sido o facto de se tratar do primeiro filme (longa-metragem) totalmente gerado por computador mas a intrigante premissa de uma história que se passa num mundo onde os brinquedos têm vida e fingem ser inanimados quando os humanos estão por perto também certamente pesou na nossa decisão. É um bom filme, bem realizado por John Lasseter, e que agrada a público de todas as idades, assim como todas as suas sequelas (com destaque para o emocional terceiro capítulo e excluindo ‘Buzz Lightyear’, o fraco spin-off deste ano) e a verdade é que o cinema de animação não voltou a ser o mesmo desde então, ganhando uma importância e um reconhecimento muito maior dentro da própria sétima arte.

Música: “Eurodance” (Estilo Musical)

Eurodance é um género musical de música eletrónica que teve a sua origem na Europa entre o final da década de 80 do século passado e o início dos anos 90. Também conhecido como Euro-NRG, Euro ou simplesmente Dance, este estilo específico de música é conhecido por ter uma ênfase dançante, com uma batida forte que varia entre 90 a 150 BPM (em um compasso 4/4) e de conter, na maioria dos casos, uma vocalista feminina a cantar o refrão, enquanto o vocalista masculino fornece apenas vocais de rap ou de apoio. Embora o termo “Eurodance” tenha sido inicialmente usado para descrever apenas produções de música dance feitas na Europa, existem alguns exemplos de bandas/artistas da década de 1990 produzidos nos Estados Unidos e em outras regiões do planeta, que seguiram o mesmo estilo musical e se tornaram populares particularmente na Europa.

A origem exacta do Eurodance é, até hoje, incerta mas sabe-se que um estilo musical percursor já vinha a ser produzido desde o ano de 1987, principalmente em clubes underground e raves da Alemanha. Porém, o género não tinha uma identidade própria de som nessa época. Em 1989, a banda belga Technotronic lançou o single ‘Pump Up the Jam’, uma canção que combinava vocais de hip hop e soul adicionando ritmo usando tecnologia de computador e misturando sons eletrónicos, baixo e bateria, em uma atmosfera dançante e rítmica. Ao fazerem isso, possivelmente deram o mote para que nascesse um novo subgénero músical na área da dança Em 1990, os alemães Snap! lançam o seu primeiro single, ‘The Power’, que alcançou o número um nos Países Baixos, Espanha, Suíça e Reino Unido.

Já no ano seguinte, em 1991, o género ganha mais notoriedade e espaço no cenário musical europeu, devido ao grande êxito do single ‘Get Ready for This’ da banda neerlandesa 2 Unlimited, que conseguiu ser sucesso em vários países europeus e ajudou, de certa forma, a aumentar a consciencialização sobre o género na Europa. Nesse mesmo período, outros artistas de Eurodance formaram-se na Alemanha, incluindo La Bouche, Jam and Spoon, Magic Affair, Intermission e Culture Beat. Após o single inovador ‘Rhythm Is a Dancer’ dos Snap! em 1992 (número 1 em 12 países e número 5 na Billboard Hot 100), novos grupos começaram a surgir em toda a Europa, principalmente na Itália, Bélgica e Países Baixos.

Algumas canções notáveis ​​que definiram o género neste período, apelidado de “era de ouro” ou “fase clássica” do Eurodance, são: ‘All That She Wants’ dos Ace of Base, ‘Somebody Dance with Me’ de DJ Bobo, ‘More and More’ de Captain Hollywood Project, ‘Omen III’ de Magic Affair, ‘It’s My Life’ de Dr. Alban, ‘Please Don’t Go’ de Double You, ‘Another Night’ de Real McCoy, ‘U Got 2 Let the Music’ de Cappella, ‘Feel The Heat Of The Night’, ‘Saturday Night’ de Whigfield, ‘Cotton Eye Joe’ dos Rednex, ‘Scatman (Ski-Ba-Bop-Ba-Dop-Bop)’ de Scatman John ou ‘Captain Jack’, da dupla alemã do mesmo nome, entre outras. Músicas como ‘Mr. Vain’ dos Culture Beat, ‘What Is Love’ de Haddaway e ‘Rhythm of the Night de Corona, são considerados como verdadeiros hinos de Eurodance. No mesmo período, a popularidade do género também se expandiu em todos os continentes. Entre os anos de 1992 a 1995, mais precisamente em 1993 e 1994, marcou-se grandes picos de produção desse género musical, sendo Itália o país onde se mais produziu Eurodance. Alguns produtores que mais se destacaram nesse tipo de género foi o sueco Max Martin e o italiano Larry Pignagnoli, ambos estavam por trás de dezenas de bandas.

Em 1996, o Eurodance dominava as tabelas musicais na Europa com 5 singles no top 10. Apesar do seu sucesso, muitos produtores de Eurodance observaram que o som do género deveria evoluir, difundindo elementos de outros estilos musicais, tais como dance-pop, reggae, trance e house. Por volta do ano 1997, a popularidade do Eurodance começava aos poucos a declinar, tanto na Europa como em outras regiões do mundo. A canção ‘Scatman’s World’, de Scatman John, foi o último grande sucesso original de Eurodance no Eurochart Hot 100. No final dos anos 1990, o ‘som clássico’ do Eurodance foi praticamente extinto, dando lugar a uma nova forma de se fazer o género, que naquela época já mesclava elementos de outros tipos de música electrónica com um som um pouco pop. Exemplos notáveis disso são: ‘Coco Jamboo’ da banda alemã Mr. President em 1996, ‘Freed from Desire’ da cantora italiana Gala no mesmo ano, ‘Barbie Girl’ dos dinamarqueses Aqua em 1997, ‘Boom, Boom, Boom, Boom!!’ do grupo neerlandês Vengaboys em 1998 e ‘Blue (Da Ba Dee)’ do conjunto italiano Eiffel 65 em 1999.

Se na minha primeira década de vida as influências musicais provinham, naturalmente, do que os meus irmãos mais velhos ouviam em casa, na segunda comecei a alargar mais os meus horizontes musicais. Apesar de alguma resistência inicial e de, juntamente com alguns amigos, apelidarmos algumas destas canções como “músicas de carrinhos de choque” (por passarem invariavelmente na instalação sonora dos carrosséis das feiras locais), aprendi a gostar de algumas delas, até porque era impossível ignorar ou escapar ao Eurodance. Os seus maiores sucessos estavam nos tops das vendas, nas colectâneas do ano e nas discotecas, bares e nas rádios, com algumas delas (por exemplo, a Rádio Orbital) a passarem exclusivamente este tipo de música. Como foi na década de 90 que entrei pela primeira vez em bares e discotecas, revelou-se inevitável o “choque” com o Eurodance e os seus maiores êxitos, que nos dias de hoje até recordo com saudade e apreço. A preferência pelo rock nunca chegou a estar em causa mas este algo peculiar estilo musical não me foi indiferente na minha adolescência. Como diria Fernando Pessoa, “primeiro estranha-se, depois entranha-se”.

Videojogo: ‘Sega Game Pack 4 in 1’ (1992)

Disponível em 1992 exclusivamente para a Game Gear, ‘Sega Game Pack 4 in 1’ é um conjunto de quatro videojogos num único cartucho que acompanhou o lançamento da primeira consola portátil da Sega para o mercado europeu. Contém um quebra-cabeças, um jogo de futebol, outro de ténis e ainda um jogo de corridas de rali. Os videojogos de ténis e de puzzle foram reciclados a partir do lançamento para a mesma consola no ano anterior da colecção ‘Kuni Chan no Game Tengoku’, exclusiva para o Japão.

Columns Flash

Baseado nos modos de jogo de ‘Columns’ (1990) e ‘Puyo Puyo’ (1991), ‘Columns Flash’ é um quebra-cabeças no qual o jogador deve reorganizar as colunas formadas por pedras preciosas para conectar quatro formas iguais e assim fazê-las desaparecer. Para terminar o nível, os jogadores devem limpar todas as jóias que se encontram a piscar. O jogo termina quando as pedras preciosas cadentes atingem o topo do ecrã.

Penalty Shootout

Tal como o nome indica, ‘Penalty Shootout’ é um jogo de futebol mas limitado à marcação de pontapés de grande penalidade. Como marcador de penáltis, o jogador deve escolher a direcção e altura da bola de forma a bater o adversário e marcar golo nas cinco oportunidades que tem por ronda. De seguida, ao jogar como guarda-redes contra o computador, o jogador deve defender a baliza tentando adivinhar para que lado será rematada a bola. Para avançar para a próxima ronda, de um total de seis, o jogador deve conseguir concretizar mais penáltis que o computador.

Championship Tennis

Com a mascote da Sega, Sonic the Hedgehog, sentada na cadeira do árbitro, ‘Championship Tennis’ coloca o jogador contra adversários de quatro níveis de dificuldade distintas. O jogador pode ainda escolher jogar uma partida de ténis de apenas um set ou à melhor de três. Não há opção de escolha de superfície para além da relva e relativamente a pancadas na bola o jogador tem à sua disposição apenas dois tipos diferentes.

Pan American Road Rally

Um jogo de corrida de carros estilo arcade, ‘Pan American Road Rally’ coloca o jogador ao comando de um veículo de rali ao longo de cinco níveis. O jogador deve evitar colidir com outros pilotos e alcançar os checkpoints para se manter na corrida. O jogo termina quando o jogador alcançar a meta ou o tempo se esgotar completamente.

A Game Gear fazia parte da denominada “4ª geração de consolas” e surgiu em resposta ao portátil da Nintendo, o Game Boy. Uma máquina de 8 bits com uma resolução de 160x144, paleta de 4096 cores e som estéreo, a consola portátil da Sega gabava-se de ser tecnologicamente superior à sua rival mas essa superioridade nunca se materializou em termos de resultados comerciais. As explicações para o sucedido prendem-se, entre outras, com o facto de a bateria durar pouco (6 pilhas AA esgotavam-se em menos de 4 horas, em oposição às 4 pilhas e 15 horas de jogo do Game Boy), a reduzida oferta do catálogo de jogos e o tamanho da própria consola, que não cabia num bolso como acontecia com o popular dispositivo da Nintendo.

A Game Gear foi a primeira consola da Sega que tive (ou tivemos, já que o meu irmão mais velho comprou lá para casa) e esta colectânea de jogos que veio com a mesma acabou por ser o único cartucho que possuiríamos. A sua portabilidade colocava-se em causa face ao referido problema de bateria e acabámos por usá-la quase sempre através de um transformador ligado à corrente. Infelizmente, a solução não era perfeita porque o mesmo fazia mau contacto e muitas vezes a consola subitamente desligava-se. Por serem bastante simples, curtos e de dificuldade acessível, ainda consegui chegar ao fim de três deles, ficando o Columns Flash fora da equação por não “encaixar” nesses referidos requisitos.